Thursday, June 19, 2008
Friends for life
Fui fazer uma horinha enquanto o show do Sugarman 3 não começava, do lado de Stuyvesant, num grill q servia cerveja de jarra e porções de asa de frango a 50 cents a unidade. No meio da minha primeira pint a chuva, a maldita, chegou. Não ia ter jeito, o show era num parque. Decidi que o melhor era pedir uma porção de lula frita e outra pint, e esperar.
Quando a chuva parou, corri até o lugar, eles ainda tocavam Baby, I love you, da Aretha. Tinha criança pra todo lado, eram os que mais se divertiam, dançavam com bambolês e corriam sem freios. Fiquei fotografando elas e a banda, mas quando me dei conta, o show acabou. As pessoas pediram mais uma; nada. Ensaiei uma vaia com os outros, e um cara que tava do lado falou que eles não iam tocar mais mesmo, o lance era o horário. Lamentei e ele perguntou pra onde eu fotografava. Disse que aquelas fotos seriam pra mim mesmo, mas se tivesse ficado legal e eu tivesse visto o show inteiro poderia ilustrar um texto pra Radiola. Ele se apresentou, Jarad, me deu um cartão e um cd e disse que tinha um selo só de boogaloo e era tecladista também. Perguntou se eu queria conhecer a banda. "Claro!"
Três minutos depois eu estava no camarim, cerveja boa de graça, ping pong, uns 10 tipos de sanduiches e boogaloo, lógico. Eu estava no céu, era metade do DapKings, Budos Band, os filhos deles correndo entre nós, galera muito tranquila e divertida. O tal do Jarad era uma figura. Eu me perguntava o que eu tava fazendo com ele ali. O cara é um brutamontes de 1,90m, que insistia em me chamar de Vintch, (ele achava mais sonoro), tecladista de uns shows burlescos e alimenta animais no zoológico do Brooklyn pra pagar as contas (mostrou umas 10 vezes a mordida que uma piton de 20 pés tinha dado na mão dele semana passada). Pelo que eu entendia ele tinha ido com a minha cara por eu ser brasileiro e ele praticar jiu-jitsu desde os 10 anos de idade. Falamos da beleza das artes marciais, que desembocou na capoeira e ele comentava eufórico que a hulla havaiana era a mesma coisa: arte marcial travestida de dança. As conversas eram surreiais like this.
Aos poucos todos vão indo e perguntei pro Jarad se ele queria ir no Nublu, onde eu tinha marcado com outros amigos. Ele topou na hora. Fomos pela 14th st, falando da mulher brasileira (ele já foi para Sampa a trabalho) e de como ele era feliz com a mulher e como isso é uma coisa difícil de se conseguir. Ele mostrava as fotos da filhinha e da esposa no celular enquanto contava que ela também toca na banda, é flautista. Eu pensava na Cheli, lembrei que naquela noite sonhei que a gente se casava ao som de I believe (when I fall in love) it will be forever, com o Zezinho entrando na igreja de terno branco. Ri sozinho. Fui aos poucos percebendo que a gente tinha muita coisa em comum.
Chegamos na estação na hora que o trem estava rosnando pelo túnel e por isso nos apressamos. Quando comecei a pegar embalo, meio trotando nos degraus curtinhos de quina de ferro, inexplicavelmente meu tenis travou na barra da calça molhada da chuva, perdi o passo e acabei escorregando com o outro pé, também molhado... voei!... Eu lembro de pensar: "uhm, acho que eu vou me sujar muito...", a escada estava toda molhada... tentei amortecer com as duas mãos; foi aí que eu percebi que eu estava rápido e não ia conseguir evitar: fui de testa na quina do degrau. Senti a pancada e ri, quão ridícula era a situação. Jarad veio me acudir, falou "man, do'u wanna open another tunnel down there?!". Quando levantei, vi pela cara dele e o "wait, wait, sit down, calm" embargado que era sério. Sentei, tudo girava, um desconhecido me deu um guardanapo. Agradeci, mas não sabia pra que era aquilo. Até que sinto algo escorrendo pelo meu pescoço e que estava tonto. Jarad falava comigo o tempo todo, tentando me manter acordado. Usei o guardanapo e ele veio inteiro vermelho. Quando Jarad percebeu o que tinha acontecido realmente, conforme fui me limpando, me levantou apressado e falou que ia me levar pro Brooklyn, onde os hospitais eram melhores – o pai dele é médico, de hospital ele manjava. Disse que tinha a grana certinha do taxi; respondi que também tinha, que não precisava se preocupar.
No taxi eu estava realmente passando mal, prestes a desmaiar, e com muito medo. Não sabia se ele ia me largar no hospital e ir embora – o que já seria legal da parte dele – mas eu tinha medo de não conseguir falar inglês, eu estava lesado. Mas como se ele lesse meu pensamento disse que não faria isso, que estava me levando no hospital que ele levaria a filha dele se rolasse uma merda. "Thank you, man! Friends for life!" eu disse. Ele sorriu, "Friends for life!"
No hospital tudo parecia deserto, como se estivesse fechado. Jarad ficou puto, "caralho, e se fosse algo mais grave?", ele berrava e socava a porta de vidro. Um senhor vem pela rua vazia, de bengala, diz que a entrada de emergencia era do outro lado (contrariando as placas).
Manquei por uma rua longa até a devida entrada – alguma coisa aconteceu com meu joelho esquerdo também. Na recepção eu percebi o tamanho da encrenca. Não tinha praticamente ninguém, 2 pessoas na minha frente, mas foi o suficiente pra esperar meia hora... Sou atendido e digo que sou brasileiro, sem seguro nem nada, outra novela... Jarad toma a frente e bate boca, diz que eu preciso ser atendido, que era simples mas poderia virar sério se me omitissem socorro – afinal, eu bati a cabeça. Ninguém dava a mínima atenção. Só me pediam para aguardar. Eu comecei a ter medo de verdade, tinha batido a cabeça! Pensava na Cheli, pensava na Aninha, no Guga, nas minhas irmãs; na minha mãe e no meu pai; no quanto o Thiago me falou pra fazer um seguro saúde; nos meus amigos todos, em quão perto eu tava de rolar uma merda grande longe das pessoas que eu amo. Passaram-se 3 longas horas dessa paranóia e assistindo Friends na tv – nunca vi tão pouca graça no Friends – até que Jarad se irritou de verdade e entrou pelo hospital batendo boca com todo mundo, mencionando até o juramento de Hipocrates! A cada pessoa nova que ele explicava o caso, voltava e me perguntava "How is your sirname again? Paraira?" "PE-RRRE-E-RRRA".
Não sei se foi isso, mas em menos de 10 minutos me atenderam. Entrei numa sala com gente saindo pelo ladrão, pessoas sendo atendida no corredor (alguém já ouviu falar disso?)... Vem um residente chinês, Lynn, e o diretor do hospital – Dr. Faizz, um indiano – ver o q tinha me acontecido. A cara do diretor não era boa... e a do residente, então?! Ele estava tenso! Dr. Faizz me mandou fazer um raio X, antes de mais nada. Jarad estava o tempo todo comigo, pra cima e pra baixo, com 2 mochilas nas costas. Sempre que eu olhava pra ele, claramente amedrontado, ele gesticulava com os lábios "It's OK, everything will be fine". Sentei numa cadeira entre duas macas. Numa delas uma senhora pedia desesperadamente por um sanduíche; na outra um senhor gemia por trás da máscara de ar. Dr. Lynn volta com o raio X, diz que não houve nada, que era só o corte mesmo, e que ia ter que fazer uma pequena plástica, pois tinha sido fundo. Perguntou as coisas de praxe, sobre anestesia e se eu tinha alguma doença, tal, eu neguei tudo e ele começou o processo alí mesmo, na cadeira. Quando ele começou a limpar o ferimento eu percebi o quanto doía. Mordi meu dedo tão forte para não gritar que tenho marca até agora, acho que vai ser outra cicatriz. E segue-se a anestesia, e tudo vai ficando melhor, só o medo era grande ainda. Eu tinha medo da conta, inclusive.
Nesse meio tempo percebi que o Jarad tava falando exatamente disso com o diretor, e escutei ele dizer que eu não devia pagar nada, que eu estava sendo atendido no corredor por um residente. Nisso a porta se fechou, não ouvi o resto da conversa.
O processo todo termina, contabilizando 15 pontos, alguns internos (nunca sei o que isso quer dizer direito). Sinto uma dor de cabeça dilacerante. Jarad volta, o Dr. Lynn pergunta de onde a gente se conhece. Ele responde que nos conhecemos faz 3... anos. Somos "surf buddies", ele diz e pisca pra mim. Dr. Lynn também surfa, é de "Cali"(fornia), não vê a hora de voltar pra casa, odeia New York. Dalí duas semanas, sentencia com alívio. Jarad olha o curativo, elogia, diz que ele realmente é bom. Eu vejo no espelho, parece que Dr. Lynn manja mesmo. Mas provavelmente não fará mais "sewing ups" dalí duas semanas, ele diz. "Agora que você está bom?", brinca o Jarad.
Saimos do corredor para a recepção; o diretor meio puto praticamente manda a gente ir embora. Jarad agradece e diz que ele era no fundo um bom homem. Percebo que eles estão falando da grana. Quando a porta se fecha atrás da gente, Jarad diz que eles queriam "nos" cobrar 400 dolares por ter sido uma "pequena cirurgia", e ele se revoltou. Fiquei muito impressionado com a história toda, a generozidade do Jarad com um estranho. Abracei ele e disse que ele era um cara sensacional, que eu queria poder retribuir aquilo, que ia rezar pra um dia (Deus queira não acontecesse) se rolasse algo assim com ele, alguém fosse generoso daquela mesma forma. Ele bateu no meu ombro e disse "Come on, buddy, friends for life!"
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12 comments:
Você precisa de uma enfermeira urgentemente! brasileira e apreciadora de artes marciais. já me candidato... e esse rapaz merece um prêmio, vou levar um presente pra ele.
te amo, se cuida.
bjos mil, chele
Ih, acho que estou sensivel!snifsnifsnif!! Fala pro Jarad que eu sou louca por ele!! Aqui saudade! Agora passarei por aqui pra acompanhar tuas peripecias! Beijos beijos beijos! SE CUIDA
graaande Pedro Bial! moral da história: VIVA A BUDOS BAND!
Nossa Vini, que susto, não?! Esse cara foi um anjo em sua vida. Acredita em anjos? Eu acredito!
Boa sorte aí e se cuide hein!
Beijão,
Gui
O legal é que a maior lembrança que vai ficar da tua aventura brooklyniana não é a cicatriz ou a dor, mas a mão amiga do Jarad!!! Beijão e se cuide muito!
ei querido, vc é uma graça tão grande que até os gringos se apegam. beijo grande
sensacional , viva as viagens e os encontros
manda mais ....
Porra Vintch ... deve ser muito difícil viver num país assim, onde o serviço público de saúde não funciona como deveria ...
Deixa esta merda aí e volta para o Brasil-sil-sil!
Abrrrrrrrrrraço!
porra
todo mundo acima já falou tudo o que tinha que ser falado.
Melhoras, man!
Ta vendo? Vim aqui pra abrir a minha cabeça e consegui em menos de 20 dias!
Gente, na boa, amo vcs!
Espero que as próximas histórias sejam menos catastróficas! hehehhehe
BJOS
vini
Ah, já to fazendo meu seguro viagem, tá? ;)
Vini, gostei desse argumento. Muito bom mesmo. Isso já é fruto das aulas de roteiro que vc está fazendo? Só achei a foto da cicatriz mal feita. Faltou arte final. Mas isso é de menos importância. Puta história! E vc escreve muito bem!
abração
Ei Cumpadi, vida loca, uma vida em 20 dias!!!! Só vc mesmo pra cativar as pessoas mesmo com a tampa aberta. se cuida malandro.Ta demais o blog. keep in touch!!!
bj,
Zega.
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